Guiné > Região do Oio > Bissorã > 13 de junho 1974 > "Cabá Santiago, ao meio, à sua esquerda o comandante do PAIGC da zona de Maqué, Joaquim Tó, que veio até Bissorã com um grande grupo de guerrilheiros. Vai existir uma reconciliação pacifica, sem retaliações, é o que é proclamado". Foto de Manuel Machado, ex-alf mil da CCAÇ 13. Legenda de Carlos Fortunato... Esta foto ter-lhe-á sido fatal... (Reproduzida aqui com a devida vénia...). (LG)
1. Comentário de Henrique Cerqueira ao poste P10189 (*)
Camarada Luís Gonçalves Vaz:
Eu estive em Bissorã desde finais de Novembro de 1972 até inícios de julho de 1974 [, como furriel mil da 3ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72]. Em Bissorã estava na CCaç 13 e foi o meu grupo de combate que teve o primeiro contacto com o PAIGC nos inícios de Maio de 1974 no ponto de encontro entre Bissorã e Olossato,durante uma picagem de protecção a uma coluna de reabastecimento.
Logo nessa altura houve grande euforia entre as nossas tropas e o PAIGC e só posteriormente vieram ao nosso encontro na referida estrada uma "caturba" de civis (comerciantes) e traziam como companhia alguns dos altos comandantes do nosso batalhão.
Honestamente chegou a ser caricato o teor das conversas entre esses Comandos e os guerrilheiros (mas isso são contas de outro rosário).
Esta conversa toda que tenho aqui é para dizer que a partir desse dia os guerrilheiros do PAIGC. tanto em grupos como individualmente, passaram a entrar e sair completamente à vontade em Bissorã.
Ás vezes era caricato que os nossos grupos de combate continuassem a sair em patrulhamento e quase sempre nos encontrarmo-nos com guerrilheiros que iam visitar os seus familiares a Bissorã.
Bom. o que é certo é que em junho de 1974 não houve nenhuma invasão do PAIGC para capturarem o Cabá [Santiago] e se o fizeram teve de ser com auxílio dos nossos comandos e em segredo, caso contrário e pelo que ouvi mais tarde e já em Bissau vários desses "tropas" (ponho aspas porque o Cabá Santiago era totalmente autónomo e só saía em operações próprias e quase sempre na certeza de apanhar homens ou armamento,pois que ele, Cábá, era um antigo combatente do PAIGC e desertou para as nossas tropas,mas não obedecia a ninguém das tropas portuguesas).
Essa situação já era esperada pois que sempre que eramos atacados ficava sempre recados para o Cabá.
Nota: Os nossos soldados da CCAÇ 13 não foram maltratados e actualmente um dos meus antigos soldados, de nome Branquinho, até é chefe de tabanca, penso eu que em Inhamate. Por tudo isso acho estranho que seja verdade essa captura em Junho.
Desculpem lá este enorme texto mas o meu jeitinho para narrar é mesmo do piorzinho e daí esse texto enorme para expor pouca coisa.
Um grande abraço Henrique Cerqueira
2. Comentário de L.G. e extratos de um texto de Carlos Fortunato:
Talvez o Carlos Fortunato, que foi fur mil da CCAÇ 13 (1969/71), meu contemporãneo (fomos no mesmo navio, o Niassa, a 24 de maio de 1974, eu pertencente à CCAÇ 2590 e ele à CCAÇ 2591) e que é hoje presidente da direção da ONGD Ajuda Amiga, mantendo frequentes e amistosos contactos com os seus antigos soldados e com as gentes de Bissorã (vai lá todos os anos...), talvez o Carlos Fortunato, dizia eu, nos possar dar mais pormenores sobre a morte do Cabá Santiago, que sabemos não ter sido em junho de 1974 (como sugere o Paulo Reis) mas sim outubro de 1974. O Carlos não viveu esses trágicos acontecimentos, mas teve informação privilegiado sobre as represálias do PAIGC em Bissorã, em 1974 e anos seguintes, de que também foram vítimas alguns dos seus antigos camaradas da CCAÇ 13 (com quem continua a manter, ainda hoje, uma relação de amizade e de ajuda).
Aqui fica um excerto da sua página Guiné - História, em que "os massacres" (no plural) de Bissorã, baseando em testemunhos de antigos soldados seus (, constantes de 2 duas cartas, uma de 1982 e outra de 1988:
(...) Na primeira carta de 1982, é referido o nome de Cabá Santiago, conheci o Cabá Santiago, e posso contar um pouco da sua história, tendo por base aquilo que ele me contou, e o que eu conhecia a seu respeito.
Cabá Santiago era um individuo inteligente e com alguma cultura, tinha sido professor até aderir ao PAIGC, ai passou a ser professor e guerrilheiro, após muitos anos de luta, sem ver um fim à vista para esta, e percebendo que o PAIGC mentia nas suas mensagens de propaganda, acreditou que o melhor caminho a seguir era o apontado por Portugal, e aproveitou as campanhas de aliciação para os guerrilheiros abandonarem a luta, para se entregar.
Quando se entregou, Cabá Santiago passou a colaborar com as nossas tropas, integrando as milícias de Bissorã, como chefe de um grupo de milícias, e regressou à sua zona para combater o PAIGC.
Conhecendo alguns guerrilheiros, que viviam com a população, utilizava o seu estatuto de guerrilheiro, e mandava-os ir buscar as suas armas (cada um tinha escondido a sua no mato), e quando estes chegavam armados eliminava-os.
A guerrilha tinha o seu sistema de informação, nomeadamente através dos elementos da população de Bissorã, e Cabá arriscou muito naqueles dias, pois bastava ir a um local onde já se soubesse o que se passava, para ele ser um homem morto, e em breve a sua "cabeça ficou a prémio".
Cabá mesmo depois da sua "cabeça estar a prémio" pelo PAIGC, continuava a ser uma das armas mais destruidora existente em Bissorã, e não deixava de sair por vezes sozinho, e atacar os acampamentos inimigos, eliminando guerrilheiros, e capturando várias armas.
Escusado será dizer que para o PAIGC Cabá Santiago era um homem a abater a todo o custo, e por isso ele era sempre o último da coluna de milícias que comandava, pois tinha medo de ser morto pelas costas pelos seus próprios homens.
Pergunto aos leitores: o que acham que iria acontecer ao Cabá Santiago, quando fosse entregue o poder em Bissorã ao PAIGC, se mesmo durante o período de cessar fogo, o PAIGC continuavam a capturar soldados africanos, que nunca mais apareciam?
Cabá foi um dos que manifestou desconfiança, sobre o que iria acontecer.
Na verdade existia alguma desconfiança entre as forças africanas, e muitos aguardavam a decisão dos comandos africanos de entregarem as armas, para entregarem as suas, pois os comandos eram quem arriscava mais, dado o clima de animosidade que existia contra eles da parte do PAIGC.
O PAIGC também sentia desconfiança quanto ao rumo das negociações, e temia que o seu estatuto de estado independente, não fosse reconhecido por Portugal.
Aristites Pereira o secretário geral do PAIGC, refere no seu livro " Uma luta, um partido, 2 países", essa situação de desconfiança: "Na realidade, o PAIGC tinha razões de sobra para desconfiar das intenções do Governo português, na medida em que acrescia ao ambiente de suspeição reinante o facto de os comandos africanos se recusarem a desarmar-se, apresentando uma postura reivindicativa em relação ao Governo português pelos serviços prestados ao seu Exército e uma clara hostilidade em relação ao PAIGC. Em abono da verdade, o PAIGC chegou a estar preocupado com a situação, razão pela qual teve iniciativas unilaterais, que resultaram em contactos com os comandos africanos, chegando esse contacto a efectuar-se a 22 de Julho de 1974, em Cacine, com a presença dos capitães Saiegh e Sisseco, o alferes Barri e um sargento."
Como era previsível, Cabá Santiago foi o primeiro a ser morto. De acordo com o que me foi relatado por vários familiares de Cabá Santiago, a sua morte ocorreu em Outubro de 1974 a mando do comandante militar do PAIGC da zona. (...)
Cabá foi levado para o mato e morto juntamente com mais duas pessoas, passado algum tempo levaram e mataram mais dois chefes da milícia, Quebá Camará e Sitafá Camará, mais outra pessoa, depois foi um grupo de 25 pessoas que levaram e mataram.
Os africanos, graduados pelo exército português, foram um dos principais alvos a abater, não sei se algum comandante da milícia conseguiu escapar com vida.
Os ex-comandos africanos do exército português eram outro dos alvos a abater, e muitos foram fuzilados pelo PAIGC.
As companhias de comandos africanos, desde a sua criação em 1970, tornaram-se uma das forças de intervenção mais importantes, mas o seu número de baixas era elevado, recorrendo o exército às companhias de soldados africanos, para repor rapidamente a sua capacidade operacional.
Tenha Taca e Intonga Tchudá foram dois dos soldados da CCaç 13 que ingressaram nos comandos, mas muitos outros soldados da CCaç 13 seguiram esse caminho, e como é sabido o destino de muitos deles foi a morte após a independência, Tenha Taca e Intonga Tchudá foram dois dos que morreram. (...).
Em poste de 25 de maio de 2006, já tínhamos abordado, na I Série do nosso blogue, o caso do Cabá Santiago, bem como de militares da CCAÇ 13 que foram mortos pelas autoridades da Guiné-Bissau, a seguir à independência... A fonte era a mesma: Leões Negros (Página pessoal do Carlos Fortunato, CCAÇ 13, 1969/71). Tudo indica que o Paulo Reis tenha ido beber à mesma fonte... Ele, de resto, nunca chegou a ir à Guiné-Bissau, para recolher em primeira mão depoimentos de testemunhas oculares... E mostrou pouco rigor (, o que é indispensável em jornalista, e para mais em jornalismo de investigação) na transcrição dos dois chefes de milícia, Quebá Camará e Sitafá Camará, que terão sido mortos a seguir ao Cabá Santiago... O texto do Carlos Fortunato foi "publicado no site em 24/02/2003, e revisto em 09/04/2008" (!)...
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Nota do editor.
(*) Vd. poste de 24 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10189: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (11): Dos planos de evacuação do território aos graves acontecimentos de Bissorã, em junho de 1974 (Paulo Reis, jornalista, freelancer / Luís Gonçalves Vaz)
Excerto do texto de Paulo Reis:
(...) "Encontrei documentação da 2ª Rep interessante, onde se fala dos problemas de disciplina das unidades do exército português e das dificuldades em fazer a simples rotação de efectivos, já prevista há muito tempo. A partir de certo momento, a própria cadeia de comando estaria em risco, uma vez que os soldados portugueses só queriam ir para Bissau e embarcar para a Metrópole.
"A ponto de em Junho de 1974, tropas do PAIGC terem entrado em Bissorã, a propósito de confraternizar. Depois de algumas cervejas, com os soldados portugueses, espalharam-se pela vila e capturaram o Cabá Santiago, um chefe de milícia muito conhecido, desertor do PAIGC, o Bajeba e o Sitafa Camará (ou Quebá), ambos chefes de milícia. Levaram-nos e fuzilaram-nos sem que as forças portuguesas reagissem, de acordo com o testemunho de habitantes locais e soldados portugueses." (...)